A representação feminina na arte

O mundo da arte está cheio de representações femininas. Da Vênus de Botticelli à Mulher Chorando, de Picasso, passando, é claro, pela Gioconda, de Da Vinci, percebe-se que não faltaram artistas para exaltar a figura da mulher.

No entanto, essa representação tem muito pouco a dizer sobre as mulheres em si. Ela fala, muito mais, do olhar masculino sobre o mundo feminino a cada época. Lidas a partir de seu contexto histórico, as obras de arte se tornam um verdadeiro registro documental a partir do qual apreende-se que lugares os homens relegaram às mulheres nas sociedades. Afinal, apenas homens exerciam o ofício das artes. Às mulheres eram permitidos papéis meramente passivos, como as musas a quem cabia injetar a inspiração no artista ou as modelos que eles utilizavam para pintar seus quadros.

Do sagrado ao profano

As primeiras representações pictóricas da figura feminina, porém, não tiveram fins estéticos. Elas possuíam, na verdade, a função simbolizar o sagrado, o místico, estabelecendo uma conexão entre o mundo dos homens e as forças divinas ou da natureza. É assim que percebemos na Vênus de Willendorf, por exemplo. Escultura datada da pré-história, ela é uma representação da fertilidade associada à forma feminina e expressa como a abundância do corpo. Por isso vemos essa Vênus com seios enormes, fartos, as ancas largas e as pernas grossas.

A Vênus de Willendorf

A escultura pode ser interpretada como um totem através do qual o homem pré-histórico convocava as forças da natureza a seu favor, pedindo por fartura, proteção, alimento e nutrição. A força e a robustez dessa Vênus não possuem, portanto, a conotação erótica que o corpo feminino viria a ganhar posteriormente nas artes, mas sim, um caráter religioso, uma simbologia ligada à devoção.

Como as sociedades são organismos móveis cujos valores, crenças e percepções de mundo se alteram ao longo do tempo, a própria arte e os papeis atribuídos a ela também sofrem alterações, ganhando novas significações e funções nesse processo. O mesmo ocorre com os sujeitos, homens e mulheres atores dessas mudanças. Eles modificam-se em suas interações, assumindo novos e distintos papeis ou lugares de acordo com as visões de mundo que norteiam seu tempo.

Durante a ascensão do Cristianismo na Europa, por exemplo, ainda no período caracterizado como Idade Antiga, as únicas mulheres que se viam nos quadros eram variações da Virgem Maria e de Eva, a primeira mulher bíblica. Nesse período, a arte ainda estava profundamente ligada à motivação religiosa, mas a figura feminina passara a representar um outro aspecto: simbolizar a beatitude (figura da Virgem) ou os pecados e a falibilidade do ser humano (representados pela condição de Eva). Ambas aparecem com formas quase masculinas, com poucos contornos que denotem sua feminilidade.

Nossa Senhora no trono com o Menino, National Gallery of Art, Washington D.C.

Só a partir da Idade Média e, mais precisamente, no final desse período e durante a Renascença, a representação feminina na arte vai paulatinamente perdendo seu caráter místico para adquirir aspectos mais terrenos, mundanos. Essa época marca também a dissociação do homem com os valores religiosos em busca de uma racionalidade na qual a figura do próprio homem em sua totalidade é apreciada. O Renascimento é o apogeu desse movimento, propondo um resgate à arte clássica grega, na qual há uma natural exaltação das formas, do corpo e do belo.

Dessa mudança de paradigma surgem as mulheres pintadas por Botticelli e outros renascentistas: nuas ou com formas fartas, coradas, evocando as qualidades da vida, da natureza e da humanidade.

Recorte do quadro A Primavera, de Sandro Botticelli

A dissociação do sagrado não libertou a mulher, porém, do olhar ainda patriarcal dos artistas, que passaram a retratá-las de modo idealizado ou erotizado. A mulher adereço, para ser contemplada e despida através da arte, era uma representação que servia ainda apenas à libido masculina. São pouquíssimas as artistas femininas que apareceram nesse período. Entre elas, as italianas Artemisia Angileschi e Sofonisba Anguissola conseguiram ter relativo destaque – nunca igual ao de seus colegas homens, no entanto.

É apenas na modernidade, a partir do século XIX, especialmente, que as mulheres ganharão aos poucos representatividade mais real, participativa, deixando o lugar de musas para ocupar os lugares ativos de criadoras e artistas. Após a Revolução Industrial, com o Iluminismo e as consequentes transformações acarretadas por esses dois processos históricos, a busca feminina por mais direitos no campo social começou a evidenciar-se também no mundo estético. Pintoras como Mary Cassatt, Berthe Morissot, Georgina de Albuquerque e várias outras abriram o caminho para que mais artistas lutassem por suas formas de expressão e suas aspirações.

The Mother and Sister of the Artist, Berthe Morisot 

O século XX trouxe ao mundo um variado leque de artistas femininas que participaram ativamente das principais vanguardas  do seu tempo, reivindicando mais espaço e reconhecimento por parte de seus pares e do público. A representação feminina tornou-se, por sua vez, mais livre, empoderada, trazendo mulheres senhoras de sua sexualidade, ou exercendo seu trabalho, ou cuidando de outros assuntos com mais independência e naturalidade.

A perspectiva feminina abriu todo um leque de possibilidades e deu a liberdade para que o mundo realmente conhecesse as mulheres sob um outro olhar. Por isso, diante de um quadro em que uma mulher está presente, pergunte-se quem era realmente aquela mulher. Mais, pergunte-se quem é o autor da obra, em que tempo ele viveu e como as mulheres eram vistas naquele tempo. 

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