Guia definitivo para ver uma obra de arte abstrata

“Arte abstrata é abstrata. Ela te confronta. Um crítico tempos atrás escreveu que minhas pinturas não tinham um começo ou um fim. Ele não disse isso como um elogio, mas foi.”
Jackson Pollock

A frase acima, dita por um dos maiores pintores abstratos norte-americanos, dá uma significativa pista sobre o caminho que é preciso seguir para compreender uma obra de arte abstrata. A primeira dica, talvez, seja a de que é necessário deixar para trás o hábito da excessiva racionalização. A abstração, como o próprio nome sugere, convida o espectador para uma experiência que vai além da lógica pura e simples. Está muito mais no âmbito da experiência e da sensação, do que do decodificável.

Abstracio, no latim, consiste no ato intelectual intencional de isolar um elemento ou um conceito, separando-o dos objetos. Em arte, se trata de uma vanguarda contemporânea que rompe com a representação literal do mundo dos fenômenos.

Dito isso, como é possível apreciar uma obra de arte abstrata? Como captar seu significado ou sua mensagem essencial? Abaixo nós daremos algumas dicas para que você possa se aproximar um pouco mais da apreciação desse gênero tão criativo e fazer bonito da próxima vez que estiver em uma exposição.

Yellow over Purple, Mark Rothko

Não tente entender

Pista número um: não tente encontrar um sentido na pintura que estiver a sua frente. O sentido não está ali. Talvez nem mesmo haja um. A abstração te convida a uma experiência que vai além da intelectualização. O que você deve fazer é percorrer a obra diante de si com os olhos e a mente abertos. Veja, sem julgamentos. O que as cores te transmitem? Quais sensações as formas te trazem? Você sente algum movimento através da pintura?

As obras abstratas dão ao público a oportunidade de criar seus próprios sentidos ou interpretações a partir daquilo que eles extraem do contato com a tela. Não é um trabalho pronto, no qual a leitura pode ser feita de modo mais objetivo ou é orientada pelo artista. Pelo contrário, aqui, cabe ao espectador a sensibilidade de perceber o que a pintura significou para si – ou até mesmo a imaginação de criar um significado próprio. Tudo é espontâneo e livre, nada é pré-determinado.

Só é preciso se deixar levar longamente, sem pressa, pela experiência. Por isso, a observação direta, numa exposição, traz mais impacto do que a observação pelo computador. Frente a frente com o quadro, você terá muito mais possibilidade de se colocar no lugar do artista quando ele compôs o trabalho e terá mais facilidade para sentir o que as formas e cores em evidência te dizem. É um processo todo subjetivo, pessoal. Você decide.

Leia as informações

Se tudo parecer ainda difícil para você, outro ponto importante é ler as informações sobre a obra, que geralmente ficam fixadas na parede, ao lado das peças. As informações sobre os artistas funcionam como pistas no mapa da sua experiência. Elas podem apontar uma tendência, um contexto histórico, um momento que teve forte influência sobre o criador da pintura e assim ampliar sua perspectiva a respeito de toda a criação. Você pode unir essas informações as suas próprias impressões e sentir o que uma pintura significa para você.

Woman, de Willem de Kooning

Explorando as formas

O pintor russo Wassily Kandinsky afirmava que seus trabalhos eram uma forma de tentar expressar sua visão peculiar do mundo. Kandinsky possuía uma condição neurológica conhecida como sinestesia, na qual a estimulação de um dos cinco sentidos levava a uma sensação em outro. Assim, por exemplo, o artista podia “ver” o som ou sentir o “cheiro” das cores, o que influenciou profundamente sua criação. O que ele fazia através da arte era traduzir a riqueza de sua experiência nas pinceladas. Os traços e as tintas em movimento seriam representações abstratas dos sons e das cores percebidas pelo artista.

Embora outros artistas abstratos não tivessem essa capacidade, é interessante observar suas obras de um lugar “sinestésico”, por assim dizer, tentando imaginar também quais sons ou movimentos estão contidos nas cores expressas pelo pintor.

Não diga que é infantil

Quem nunca ouviu ou disse um “até eu poderia fazer isso?” ou “até meu filho poderia fazer isso” diante de uma arte abstrata? Sobre essa brincadeira, o sociólogo e semiólogo francês Roland Barthes tinha algo interessante a dizer: Não é infantil na forma, pois a criança se aplica, pressiona, arredonda, coloca a língua para fora da boca como quem se esforça. A criança trabalha duro para se juntar ao código dos adultos”.

A verdade é que quase todos os artistas abstratos não só possuem habilidades avançadas de desenho, como conseguiriam fazer reproduções fidedignas da realidade se assim o quisessem – e aí está a chave: eles não querem. A abstração é uma opção consciente e provocativa para puxar o espectador para fora de sua zona de conforto e obrigá-lo a acessar um outro nível de experiência subjetiva e sensorial.

E, sendo sincero, você acha que conseguiria fazer algo como esse quadro?

Composition 8, Kandinsky

No fim das contas, toda arte é uma abstração, já que a reprodução objetiva da realidade é impossível. Todo trabalho é baseado na subjetividade do artista, que pode se manifestar de forma mais ou menos abstrata, de acordo com suas percepções e escolhas. O fato é que a arte abstrata, como a arte em geral, está muito mais preocupa em explorar as possibilidades da subjetividade humana do que em fotografar a realidade – algo impossível. Nesse sentido, o movimento de compreensão não é o mais importante. É preciso se deixar ir, se deixar levar, livremente, para que o verdadeiro insight aconteça – ou não aconteça também, sem problemas. Lembre-se: não há regras.

“Todos querem entender arte. Por que não tentar entender o som de um pássaro? Pessoas que tentam explicar pinturas estão geralmente latindo para a árvore errada.”
– Pablo Picasso

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